sexta-feira, 31 de maio de 2013

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Sebastião Salgado: “Não sei o que é Instagram”

ENTREVISTA - 30/05/2013 20h16 - Atualizado em 31/05/2013 01h18
Sebastião Salgado: “Não sei o que é Instagram”
O fotógrafo diz que continua a usar métodos tradicionais, apesar de ter abandonado a câmera convencional há cinco anos

LUÍS ANTÔNIO GIRONe

|O fotógrafo Sebastião Salgado, de 69 anos, fala a ÉPOCA sobre sua arte e seus métodos de trabalho, na segunda parte da entrevista (leia a primeira parte em ÉPOCA desta semana), realizada no Museu do Meio Ambiente do Jardim Botânico, Rio de Janeiro, na segunda-feira (27). Ele diz não se enquadrar no gênero fotojornalismo, nem mesmo na fotografia “de arte” – prática que ele considera excessivamente comercial. Diz que vende caro suas fotos porque tem quem compre, não porque se considere um artista da fotografia. “Gosto de contar histórias a partir de minhas séries”, afirma. “Em mais de 40 anos de carreira, realizei três grandes histórias: Êxodos,Trabalhadores e agora Gênesis. Minha vontade é narrar algo. Por isso, aprendi a cantar enquanto vou clicando. Cantar me aproxima de um fluxo linear e constante e me ajuda a pensar em um enredo.”


O fotógrafo Sebastião Salgado, retratado no Museu do Meio Ambiente do Jardim Botânico, no Rio de Janeiro (Foto: Daryan Dornelles/ÉPOCA)
ÉPOCA – O fato é que seu trabalho não tem nada de fotojornalismo, uma prática da geração anterior à sua. Qual a sua escola, enfim?
Sebastião Salgado – Minha escola não é fotojornalismo. Eu conto uma história inteira por meio do trabalho fotográfico, então isso me consome tempo e energia. A minha fotografia tem um caráter simbólico. No momento em que você faz uma intervenção, muitas coisas são anteriores. A luz de um fotógrafo vem com ele. É a luz da sua vida. Nasci no Vale do Rio Doce (Minas Gerais), uma região montanhosa com raios de luz – e eu sozinho, menino, no fundo da fazenda do meu pai. E isso eu carrego comigo. Eu sempre fui muito claro e andava pela sombra. Então tudo o que vinha para mim vinha contra a luz. Essa poesia da contraluz está dentro de mim, intuitivamente. O fotógrafo de estúdio fabrica a luz. Sou um fotógrafo do lado de fora, que fotografa a luz natural, domino essas luzes, eu sei o momento em que corro atrás delas e combinam. No instante em que você tira uma foto, não há tempo para pensar em composição, diagonal, na luz, na dinâmica. Isso é intrínseco. Por isso muita gente usa câmara, mas poucos são fotógrafos. Luz, composição, são as constantes. Depois vêm as variáveis: a ideologia – o conjunto de coisas que você viveu, sua ética, suas escolhas. Nenhuma fotografia é objetiva. Ao contrário, é subjetiva.
ÉPOCA – Defina o seu trabalho. Ele é meramente estético, como acusam os críticos, é fotojornalismo ou é uma denúncia? 
Salgado – Muito mais do que isso: é minha vida. Imbuído das constantes e das variáveis que descrevi, eu vivi. Minha fotografia é a materialização da minha vida. É importante ter uma coerência: de onde você vem, o que você é e pensa. Eu não me considero um artista, nem um antropólogo, nem um militante. O que fiz foi o que minha vida me levou a fazer. E isso me deu um grande conforto. 
ÉPOCA – O senhor é um fotógrafo idealista, platônico mesmo. Cada projeto compreende um envolvimento existencial, uma ideia predeterminada que deve ser executada e uma história a ser contada. Como foram as aventuras de Êxodos (1986-1992) e Trabalhadores(1994-1999)?
Salgado – Êxodos começou muito tempo atrás, eu e Lélia saímos meninos para Paris. A gente não podia trabalhar aqui porque levava cacete e podia ser torturado e morto. Entramos na clandestinidade, fomos à França, passamos anos e anos sem poder meter o pé aqui. Passei três anos sem passaporte. Eu sei o que é ser refugiado, imigrante. Até hoje sou um imigrante. A história de Êxodos era a minha história. Descobri que o centro da produção industrial do mundo havia se deslocado da Europa e dos Estados Unidos para a China e a Índia. Isso provocou um deslocamento populacional gigantesco. Ao final de Êxodos, eu adoecia. Vi tanta doença, brutalidade e morte. Fui ver um urologista em Paris e ele disse que eu ia morrer por causa de você mesmo. Eu fazia amor com Lélia e não tinha esperma, não tinha mais energia. Aí pensei em parar. Eu vivi tão forte a história de Êxodos, que eu não acreditava mais na sobrevivência da humanidade. Nossa espécie estava condenada. Isso foi tão fundo que parei alguns meses. Aos poucos fui voltando. Fiz para a Unicef um trabalho chamado O fim da pólio. Fundei o Instituto Terra, para efetivar um projeto ambiental de reflorestamento e recuperação dos ecossistemas do Vale do Rio Doce, com apoio da Vale e outras companhias. Eu vi a natureza renascer.
Na série Trabalhadores, levei cinco anos para fazer um livro sobre o fim da mão de obra intensiva no trabalho industrial. Fui economista, estudei economia marxista e cheguei à conclusão de que o trabalho é o centro de tudo o que foi criado neste planeta. Mesmo hoje, o robô é a materialização do movimento do trabalho. Quando eu fui fotografar trabalhadores, eu tive um prazer imenso de ver tantas pessoas inovadoras – capaz de criar um navio a partir de uma simples placa de aço. Como qualquer trabalhador, tenho um conceito e vou buscar a realização do conceito no mundo. 
ÉPOCA – O senhor trocou a câmera convencional pela digital em 2008. O efeito é o mesmo?
Salgado – É melhor ainda do que com os negativos convencionais. Eu não sei mexer com tecnologia, mas levo a câmera digital. Levo comigo cartões de memória, fotografo. De volta, meu assistente coloca tudo em prancha, e com a lupa edito tudo. Só sei trabalhar à moda antiga. Faço cópias de leitura, do tamanho de um cartão postal. Aí selecionou. No final, com as fotos selecionadas e ampliadas, faço um negativo delas. E aí amplio a partir do negativo. Hoje a qualidade que eu tenho do negativo indireto é melhor que a qualidade do negativo direto. Uso uma máquina Kodak de marca Imagère com um negativo Wilford. Passamos dois anos desenvolvendo a técnica. 
ÉPOCA – O que o senhor acha da popularização da fotografia depois de aplicativos como o Instagram, que levam muitos de seus colegas a decretar o fim da fotografia?
Salgado – Não sei o que é Instagram. Mas eu vejo toda democratização de forma positiva. Hoje as coisas são assim. Antigamente era uma placa de vidro, depois veio o filme. A fotografia nunca teve um lugar tão destacado na sociedade como tem hoje. São milhares de galerias e fotógrafos trabalhando nisso. A fotografia está atingindo a maioridade agora. Está mais importante do que há 20 anos. Isso pela quantidade. A qualidade nunca mudou.
ÉPOCA – Mas há mais amadores fotografando do que antes.
Salgado – Amador não é problema. Ele sempre fotografou. O que existe na fotografia é uma grande produção de fotografia comercial. Você cria uma fotografia como um objeto de arte. É diferente do tipo de fotografia que eu fiz e à qual eu dediquei anos da minha vida. Não acho que sejam obras de arte. 
ÉPOCA – Apesar de o senhor não considerar uma obra de arte, quanto vale uma imagem sua hoje?
Salgado – Eu vendo caríssimo. De R$ 6 mil a R$ 100 mil. Mas não concebi para o mercado. Se as pessoas querem, tudo bem. Mas hoje o que você vê entre os fotógrafos profissionais é fotografia feita exclusivamente para vender. Falta um pouquinho de coração na fotografia atual. É simplesmente um produto de arte.