sábado, 5 de março de 2011

"O fotógrafo tem que ter este olhar especial"

Simplicidade, sensibilidade e dedicação. Estas são as características que tornaram Evandro Teixeira um dos maiores ícones da fotografia brasileira. Fotógrafo há mais de 45 anos, Evandro já expôs em diversos museus e capitais. Começou sua carreira no Diário da Noite em 1958, mas o ápice se deu a partir de 63, quando foi trabalhar no Jornal do Brasil. Tem três livros publicados: Fotojornalismo, (1983), Canudos 100 Anos (1997) e O livro das águas (2002). Nesta entrevista Evandro comenta sobre as conseqüências das novas tecnologias, a fotografia brasileira, a censura durante o golpe militar, seus novos projetos e deixa alguns comentários sobre sua última exposição intitulada “Instantâneos da realidade” realizada na Aliança Francesa, Salvador.

Lízia Sena: Qual o propósito desta exposição?O que você pretende que a população enxergue durante este evento?
Evandro Teixeira: A nossa função do ponto jornalístico é mostrar a realidade, o cotidiano no país. Eu acho que nesta minha exposição tem um pouco de tudo. Tem guerra, tem golpes militares. Tem no Chile, tem no Brasil. Tem Olimpíadas. Eu vivo mostrando a realidade do país, a realidade daquilo que a gente vive no mundo. A fotografia tem a função de denunciar. Então eu acho que trabalho aí tem. Você que vai fazer a leitura daquilo que você está enxergando, daquilo que você está vendo.

LS: Qual a foto que mais te marcou? Quais são os temas que você prefere relatar através de suas fotos?
ET: Eu não tenho assim uma foto, tem situações diferenciadas. Eu acho um momento difícil da minha carreira foi cumprir alguns eventos importantes. Como falei o golpe militar no Chile, o massacre da Guiana Inglesa; foi aquele pastor fanático, o Jean Jones, que envenenou em 1957, americano. Várias olimpíadas. Várias copas do mundo. O próprio golpe militar no Brasil. Eu acho que o momento mais dramático, o momento mais importante da minha cobertura foi à morte do poeta Pablo Neruda, no Chile. Uma pessoa importante. Um homem mundialmente reconhecido com prêmio Nobel. Mas também eu acho que o que representa uma das historias mais importantes do Brasil foi à guerra de Canudos. Eu fiquei lá quatro anos para fazer um livro e eu convivi com aquela gente vivendo da guerra e aquilo me emocionou muito, até hoje. Fiquei na década de 90, lancei o livro em 97. Mas eu acho que aquela história de Canudos, aquele povo me deixou realmente sensibilizado. Todo ano eu volto lá. Eu não deixo de voltar em toda festividade que é em outubro. Agora mesmo em outubro, eu volto lá novamente, se Deus quiser.

LS: Você já reencontrou alguns?
ET: Todos eles. Eu estou sempre reencontrando. Antonio, Isabel, Dona Cotinha, que já morreu. Gente que morreu com 115 anos, gente que morreu com 112 anos. Essa gente eu conhecia todos, me dava bem com todos. Era uma alegria reencontrá-los, sempre que ia a Canudos. Ligo para saber como estão. É claro que a maioria destes velhinhos já morreram. Mas ainda tem os netos, filhos, etc. É uma coisa que realmente me marcou muito, foi essa história, essa minha vivência em Canudos.

LS: Alguma fotografia sua já foi censurada durante o decreto do AI-5?
ET: No golpe militar, principalmente...

LS: A da libélula?
ET: A da libélula, da queda da moto, não sei se ta aqui, ta aqui?
LS: Não.
ET: Costa e Silva, da queda da moto. Eu ia representar o Brasil na bienal de Paris e ela foi censurada. Tanto eu como, eram 6 representantes na bienal jovem de Paris. O pintor chegou a ser preso, Antônio Manuel, que retratava a violência nas ruas através das paginas do jornal FLAM. Era feito com chumbo, papelão, ele pintava aquilo de vermelho, que representava sangue. Quando a gente abriu uma amostra no Museu de Arte Moderna para imprensa, no dia seguinte iria para Paris, os militares chegaram lá desmontando a amostra. Chamaram o diretor, dizendo: “Olha aqui embaixo, essa amostra tem que ser desmontada, a gente está com os meninos para ajudar”, os meninos eram os soldados. Então eu tive que ficar uma semana desaparecido. Manuel chegou a ser preso. Então nessa época a gente tinha este tipo de censura, como foi aquela da libélula, que você bem lembrou.

LS: O que você acha da atual fotografia brasileira?
ET: A fotografia brasileira é uma das mais importantes do mundo. Nós temos uma fotografia maravilhosa, importante, com uma qualidade excepcional. O que acontece no Brasil, como tudo, é essa falta de intercâmbio, essa decadência em que vivemos, a rede de ensino. Mas a fotografia do Brasil em si é excepcional. Eu exponho muito fora do Brasil. Já expus nas maiores capitais do mundo e em bienais. É de maior importância. O que nos falta, por exemplo, agora não temos papel pra fazer cópia, não temos, na verdade nós somos pobres, não temos incentivos pra comprar equipamento. Não temos nada neste sentido. A gente está sempre buscando, tentando conseguir coisas lá fora. Falta galeria pra mostrar o trabalho. Que tem qualidade, isso tem e muita. Uma das mais importantes, uma das mais belas do mundo.

LS: O que seria um fotógrafo exemplar?
ET: Como tudo, como médico, como advogado (risos). Eu não sei, acho que você tem que ter um bom olhar, acima de tudo estudar, acompanhar a evolução, os acontecimentos, mas, acima de tudo que você estude. O fotógrafo tem que ter este olhar especial. Nós temos olhares especiais.

LS: O que você acha do fotojornalismo brasileiro hoje?Sensacionalista?Falta sensibilidade?
ET: Não, eu acho que o jornalista brasileiro é muito inteligente. O que nos falta é infra-estrutura. Tanto nós, como quem escreve. O que falta é qualidade, incentivo, que falta também nas faculdades. Sensibilidade nós temos, inteligência nós temos, só o que falta é esse tipo de coisa que você sabe tanto como eu.

LS: O que acha das novas tecnologias? Quais são as vantagens e desvantagens?
ET: Maravilha. Acabei de falar isso pra televisão. Eu adorei. Livrou-nos de uma série de coisas. Era como carregar um jumento. Tinha que ir para banheiro de hotel para revelar filme, e ampliar. Hoje você transmite uma foto agora na Grécia, por exemplo. No meio do mar, uma coisa que eu levava 8h para transmitir uma foto, ir, vir, elaborar. Hoje, no meio do mar, 5 min. depois já estou mandando uma foto. A qualidade é excepcional. Claro que eu continuo com minha velha analógica, minha Laica, com meus filmes preto e branco. Dependendo do projeto, ou do trabalho que eu venha fazer. No jornalismo moderno, acho que a tecnologia deve ser respeitada. Ela veio pra ficar e nos ajudar.

LS: Quantas pessoas já foram identificadas na passeata dos 100 mil?
ET: Já tem 60 fotografados. A idéia são 68 pessoas, por isso que o projeto é chamado 68 destinos, pelo ano de 68. Já tem 60, faltam apenas 8. Agora estou fazendo uma triagem, pra não ficar todo mundo de uma escola de comunicação, direito, de uma universidade, agora estou mesclando. O projeto está quase pronto. Não sei se vai ficar pronto para este ano. Tem deputados, ministros, jornalistas, designers, cineastas. Tem gente que não se conhecia na época e hoje são casados, marido e mulher. A Elaine, minha designer, faz todos meus livros, o marido dela é Hernani, arquiteto. Na época não se conheciam, casaram. Encontraram-se através desta foto. Tem o jornalista Augusto Nunes, deputado conhecido do Rio. Tem várias pessoas que hoje estão nesta foto e eu estou retratando o que eles eram em 68, o que pensavam e o que pensam hoje.

LS: Algum projeto novo?
ET: Estou com um livro pronto na editora chamado feira de São Cristóvão, feira típica do Rio de Janeiro, feira do Nordeste, com produtos do nordeste, feira de comida, tem tudo. E o projeto dos 68 destinos.

LS: Deixe um conselho para futuros fotojornalistas.
ET: Insista, não desista nunca, acredite em você. Qualquer que seja a profissão. Principalmente a nossa que o campo está minado, o campo está difícil, a situação está complicada e o mercado cada vez mais escasso. Acima de tudo você tem que acreditar em você, saber que veio pra vencer. E não pode achar que está difícil, não vai dar certo. Nunca tive uma cobertura no mundo, qualquer parte do mundo que eu disse que: não vai dar. Pra mim sempre tinha que dar, sempre dava e sempre deu.

Entrevista e reportagem: Lízia Sena · Salvador, BA

Fonte : Overblog

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